A importância dessa revisita a Bertolt Brecht é justamente o seu caráter popular, já comprovado no grande êxito de Alma Boa de Setsuan, que ficou em cartaz por dois anos e meio, com mais de 220 mil espectadores. Foi durante esse período que surgiu a ideia de montar Galileu Galilei, que realizou uma temporada de 4 meses em São Paulo e foi visto por mais de 30.000 pessoas.
“Cada vez que eu lia o texto, um frisson invadia meu peito. A origem de um projeto de teatro para mim é quase como uma fofoca. Ao ler o texto é como se eu escutasse algo no ouvido que eu não pudesse deixar de passar adiante. A necessidade de me apoderar das palavras de um autor e dar comunicabilidade ao que parece encarcerado no papel é o que me move, me empurra pro palco. Quando vejo, já estou lá, tentando fazer voar tal ideia. Tomei coragem e resolvi ser Galileu”, diz Denise, que dá vida ao grande cientista italiano redesenhado por Brecht, que se apropria desta situação histórica e, com afiado humor e ironia, abre ramos da riqueza desse conflito para além do acontecimento.
Denise Fraga convidou Cibele Forjaz para dirigir essa montagem, realizando um desejo que alimentava há anos. “Quando Denise me convidou, juntou a fome com a vontade de comer: o desejo de trabalhar com ela e a vontade de voltar ao texto de Brecht que já havia montado no final dos anos 90. Denise é uma atriz que sempre admirei de longe e que me ganhou totalmente quando trabalhamos juntas numa leitura de “Ponto de Partida”, de Gianfrancesco Guarnieri”, diz Cibele. “Ela tem um desejo obsessivo de ensaiar, assim como eu. Somos operárias do teatro e nos reconhecemos profissionalmente! ”. Por sua vez, Denise vê em Cibele uma sensibilidade única que “nos leva para o campo dos sonhos, nos fazendo acreditar numa história ao mesmo tempo em que vemos a mágica do fazer teatral. Brecht ia adorar Cibele. Cibele adora Brecht. Esta senhora da luz não ilumina não só o palco com suas lindas imagens, mas faz brilhar cada linha de uma ideia.”
Brecht costumava falar em seus diários da necessidade de DIVERTIR PARA COMUNICAR e empregou essa receita em toda a sua obra. “Ele se faz valer de uma boa história, do humor e do entretenimento para deixar claras as suas ideias. A grande estrela de Galileu Galilei é o poder da palavra. A clareza de raciocínio, o humor, o fio inebriante por onde Brecht escolhe contar essa história nos leva passo a passo a um profundo estado de reflexão”, relata Fraga.
Na Itália do século XVII, Galileu consegue construir um telescópio melhor que os existentes e explorar os céus como nunca antes haviam conseguido. Com os satélites de Júpiter, ele finalmente comprovaria a doutrina de Copérnico de que o Sol é o centro do Universo e de que a Terra se move e gira em torno dele. Galileu passa a defender e a propagar esta ideia, apesar de saber que ela era contrária ao dogma da Igreja. Entretanto, este homem apaixonado, o cientista genial movido por uma nova verdade, vê os senhores do poder estabelecido se negarem à obviedade dos fatos.
A ideia da Terra não ser o centro do Universo ameaçava convenientes estruturas de poder. Estávamos em 1609, em pleno movimento da Contrarreforma. Galileu tinha muito prestígio e amizades dentro do próprio clero e acreditou que, com este escudo, poderia seguir em frente para instalar seu novo esquema de mundo. Ledo engano. Foi perseguido pela Santa Inquisição, processado duas vezes, e, ameaçado de tortura, foi obrigado a negar, abjurar, suas ideias publicamente. Somente em 1992, mais de três séculos após a sua morte, a Igreja reviu o processo da Inquisição e decidiu pela sua absolvição.
Mas não é só da biografia de Galileu que Brecht quer falar.
“Privilegiando a vida à história, o homem ao herói, seu Galileu Galilei nos faz acreditar que a história do mundo foi construída por homens que tinham suas fraquezas e suas dúvidas misturadas a seus atos de coragem e clareza. Homens que acordam, lavam o rosto, tomam seu café com leite e, mobilizados por suas ideias e projetos, muitas vezes, se enredam em terríveis jogos de poder” – completa Denise.
Brecht coloca em xeque o herói, seu significado social, a discutível necessidade de sua existência numa sociedade que compromete sua liberdade em seus inevitáveis jogos de poder. Com isso, chama toda a plateia para compartilhar de sua questão.
O espetáculo da diretora Cibele Forjaz desvenda o fazer teatral diante do público, com atores que manipulam o cenário e fazem a contrarregragem, totalmente disponíveis artisticamente para contar a história que Brecht reinventou, trazendo à cena uma profusão de formas, conceitos, parodias grotescas, cenas pungentes, emoção e muito riso, um estranhamento carnavalizado com a intenção de, talvez, criar um espetáculo genuinamente épico brasileiro. O elenco mistura atores parceiros de longa data de Denise e de Cibele, em sua Cia Livre: Ary França, Lúcia Romano, Théo Werneck, Maristela Chelala, Vanderlei Bernardino, Jackie Obrigon, Luís Mármora, Silvio Restiffe e Daniel Warren. “Juntamos um time de dar água na boca. Nosso super objetivo em comum: contar muito bem a história de Brecht-Galilei! ”, fala Cibele
A trilha sonora de Lincoln Antônio e Théo Werneck cria novas canções, ambientes sonoros e reinventa músicas originais de Hanns Eisler para a obra original de Brecht. Márcio Medina cria um interessante espaço cenográfico valorizando as inúmeras analogias ao movimento circular sugerido pelo texto. Os figurinos de Marina Reis passam pela Renascença chegando até o futuro próximo, ora identificando épocas, ora sugerindo a atemporalidade das questões e, finalmente, a luz de Wagner Antônio contribui para criação de climas e espacialização, valorizando a ótica e a luz tão estudadas por Galileu.
Se, em A Alma Boa, a questão principal era: “Como ser bom e ao mesmo tempo sobreviver no mundo competitivo em que vivemos? ”, em Galileu, ela extrapola os limites do individual e pergunta: “Como posso ser fiel ao que penso sem sucumbir ao poder econômico e político vigente? Como contribuo para o avanço social sem me preocupar unicamente com meu conforto individual? ”
Galileu Galilei é uma profunda e divertida reflexão sobre o que somos, o que viramos, o quanto abandonamos de nós, a luta de classes, o “ser mandado” e “ser patrão”, a tirania do poder econômico, as liberdades de escolha e o preço a pagar por elas.
A quantos absurdos conseguiremos nos submeter com cara de paisagem?
“O que eu espero é divertir as pessoas com um espetáculo festivo e fazê-las sair do teatro pensando em qual será a nossa alternativa para escapar desta areia movediça. Reiterar a fé na ideia de que o conhecimento e a razão humana ainda são os melhores instrumentos de luta contra a repressão, a injustiça, a miséria e o único caminho possível para o avanço social. ” - acredita Denise.
Ficha Técnica:
Direção Artística: Cibele Forjaz
Adaptação/Dramaturgia: Christine Röhrig, Cibele Forjaz, Maristela Chelala e Denise Fraga
Cenografia: Márcio Medina
Trilha Sonora: Lincoln Antônio e Théo Werneck
Iluminador: Wagner Antonio
Figurinista: Marina Reis
Visagista: Simone Batata
Preparação Corporal e Coreografia: Lu Favoretto
Preparação Vocal: Andrea Drigo
Assistente de Direção: Ivan Andrade
Fotos: João Caldas
Programação Visual: Philippe Marks
Produção Executiva: Lili Almeida
Direção de Produção: José Maria
Realização: NIA Teatro
Duração: 140 minutos
Classificação Etária: 12 anos
Texto DENISE FRAGA
Por que quero fazer Galileu?
Porque tenho esperança e quero falar dela.
A Alma Boa de Setsuan me confirmou a comunicabilidade e popularidade de Bertolt Brecht. “Divertir para comunicar”- já dizia ele em seus diários. É incrível como Brecht se faz valer de uma boa história, do humor e do entretenimento para nos colocar em estado de reflexão. A trajetória de A Alma Boa renovou minhas esperanças no fazer teatral. Foram dois anos e meio em cartaz com apresentações por todo o Brasil, sucesso de público, crítica, prêmios e mais de 220.000 espectadores. Provavelmente, cerca de 60% deste público nunca tinha ouvido falar do dramaturgo alemão, mas nem por isso deixou de ser capturado por ele com extremo vigor. Testemunhei muitos maridos bonachões, que chegavam ao teatro arrastados por suas mulheres nas sessões de domingo, renderem-se boquiabertos à ironia e inteligência do humor brechtiano. Sou encantada com Brecht. Me identifico com seu teatro, sua maneira de pensar o mundo e também acredito que preciso divertir para comunicar.
Em meio à temporada de A Alma Boa, fomos lendo em grupo alguns textos de sua obra. Chegamos a Galileu Galilei. Nova pulga atrás da minha orelha. Líamos, relíamos e marcávamos novas leituras. O texto é magnífico. Um homem possuído por uma nova ideia, a força de uma verdade descoberta que precisa ser propagada. Mas a quem interessa a verdade quando já estão dadas as cartas do jogo? Galileu é impedido de fazê-lo por conveniência à cegueira vigente. No início do século XVII, a ideia da Terra girar em torno do Sol era considerada total heresia pela Santa Inquisição. Brecht se apropria desta situação histórica e, com seu habitual humor e ironia, abre ramos da riqueza desse conflito para além do acontecimento. Privilegiando a vida à história, o homem ao herói, seu Galileu Galilei nos faz acreditar que a história do mundo foi construída por homens que tinham suas fraquezas e suas dúvidas misturadas a seus atos de coragem e clareza. Homens que acordavam, lavavam o rosto, tomavam seu café com leite e, mobilizados por suas ideias e projetos, muitas vezes, se enredavam em terríveis jogos de poder. Galileu Galilei nos faz refletir sobre o quanto abdicamos de nossos ideais para sobreviver no meio desses jogos hierárquicos que nos mobilizam desde a escola primária, passando pela família, o trabalho até chegar ao poder em si, ao governo e seu dilema de existência banhado na autoridade.
A grande estrela da peça é o poder da palavra. A clareza de raciocínio, o humor, o fio inebriante por onde Brecht escolhe contar essa história nos leva passo a passo a um profundo estado de reflexão. Cada vez que lia o texto, um frisson invadia meu peito. A origem de um projeto, pra mim, surge quase como a fofoca.Ao ler o texto é como se eu escutasse algo no ouvido que não eu não pudesse deixar de passar adiante. Esta necessidade tem sido a grande força motriz do meu trabalho. A necessidade de me apoderar das palavras de um autor e dar comunicabilidade ao que parece encarcerado no papel é o que me move, me empurra pro palco. Quando vejo, já estou lá, tentando fazer voar tal ideia. Resolvi ser Galileu.
Nosso Galileu ainda traz algo a mais: reunir companheiros de longa data, que fizeram comigo A Alma Boa de Setsuan com outros que são felizes novas descobertas. Juntar dez atores de raros talento e história para, como uma companhia, nos colocarmos nas mãos da mestra Cibele Forjazé um ponto de partida sem igual, um coquetel de talento e competência. Me sinto honrada e fortalecida por poder contar esta riqueza de texto em tão boa companhia.
Trabalhei com Cibele a primeira vez fazendo uma leitura encenada de Ponto de Partida, poucas apresentações feitas no próprio Tuca nos 50 anos do Golpe Militar. Já nos falávamos há tempos da vontade que tínhamos de trabalhar juntas. Adoro o que ela faz. Para Cibele, o Teatro não tem limites. Dona de sensibilidade única, ela nos leva para o campo dos sonhos, nos fazendo acreditar numa história ao mesmo tempo em que vemos a mágica do fazer teatral. Brecht ia adorar Cibele. Cibele adora Brecht. Esta senhora da luz não ilumina não só o palco com suas lindas imagens, mas faz brilhar cada linha de uma ideia.
Fazer chegar a todos este tesouro não é só mais uma vontade, é pura necessidade.
Como Galileu, não vejo a hora de contar a todos a boa nova.
Serviço:
Campinas:
26/Agosto a 04/Setembro
Horário: Sextas e Sábados – 21h | Domingos – 19h
Teatro Brasil Kirin 3º piso do Iguatemi Campinas
End: Av Iguatemi, 777 – Vila Brandina
Telefone: (19) 3294-3166 – www.teatrogt.com.br
Valores:
Inteira: R$ 70,00
Meia-Entrada: R$ 35,00
Vendas:
Bilheteria do Teatro: 3294-3166 (terça a sábado das 13h às 21h | domingos das 12h às 20h)
Pela internet: www.ingresso.com
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